Em 1588, numa ambiciosa tentativa de converter a
maior parte da Europa ao catolicismo e punir a Inglaterra pela pirataria contra
suas colônias, o rei Felipe II da Espanha lançou ao mar a mais poderosa
esquadra até então reunida, transportando um exército para invadir a
Inglaterra.
A batalha que foi travada nas águas do Canal da Mancha decidiu o futuro
da Europa e do mundo.
Antecedentes
Na segunda metade do século XVI, a Espanha governada por Felipe II era
um estado político-religioso, onde a igreja católica tinha grande peso. Felipe
II reinava sobre Portugal (onde consta como Felipe I), Holanda e Bélgica e
sobre diversos reinos da Europa, como Córsega, Nápoles, Sardenha, Milão,
Catalunha, Mayorca, Galícia, Valência, Canárias, Aragão, Castela e outros.
Felipe II queria uma Europa católica, conduzida pela Espanha.
Na Espanha e nas nações sob seu domínio, os judeus e protestantes eram
perseguidos e as vezes aceitavam até serem “convertidos” ao catolicismo para não
morrer nas mãos da Inquisição, uma organização religiosa de repressão que tinha
plenos poderes da coroa espanhola e do Vaticano para utilizar os mais bárbaros
métodos para conseguir confissões e castigar os não-convertidos, chamados
hereges.
Porém, a sua grande rival no domínio dos mares e colônias do mundo, a
Inglaterra, era governada por Elizabeth, rainha de orientação protestante que
dava refúgio e ajudava aos seguidores desta religião por toda a Europa,
notadamente na Holanda, onde havia resistência armada.
Mas a vizinha da Inglaterra, a Escócia, estava sob o reinado da prima de
Elizabeth, Mary Stuart, que era católica. Mantinha estreito diálogo com a coroa
espanhola e secretamente, planejava alijar Elizabeth do trono da Inglaterra e
ocupar seu lugar. Haviam tratados secretos estabelecendo que, após sua morte, a
Escócia passaria ao domínio da Espanha. Isto tudo acabaria chegando ao
conhecimento de Elizabeth.
Francis Drake
Os navios que transportavam para a Espanha as riquezas e tesouros das
colônias do Novo Mundo eram frequentemente alvo dos ataques de piratas e
corsários ingleses, o que era motivo de protestos do rei espanhol junto à
rainha inglesa. Uma das figuras mais polêmicas desta controvérsia foi Francis
Drake, jovem capitão britânico, um dos primeiros a navegar em volta ao mundo.
Ele foi enviado pela própria Inglaterra para águas americanas, para atacar e
saquear os navios e colônias espanholas. Quando os espanhóis protestaram e
apresentaram testemunhos e provas de que ele havia protagonizado os saques, os
ingleses agindo politicamente, o responsabilizaram individualmente pelos atos
de pirataria e o tornaram proscrito.
Porém, quando ele regressou à Inglaterra com os porões do seu navio
abarrotado de ouro dos saques, ganhou imediata anistia, e como a situação com a
Espanha havia azedado de vez, foi novamente reconhecido como corsário à serviço
da coroa inglesa e acabou recebendo um título de nobreza das mãos da própria
Elizabeth, passando a ser citado como Sir Francis Drake e reintegrado à marinha
inglesa.
A Morte de Mary Stuart
Enquanto isto, Mary Stuart, rainha da Escócia, enfrentou uma dissidência
na sua própria corte e refugiou-se na Inglaterra. Porém, ao chegar, recebeu voz
de prisão de sua prima. Foi acusada de conspiração, julgada e decapitada em 8
de fevereiro de 1857.
Isto serviu de pretexto para que seu aliado Felipe II, que já tinha
planos de atacar os ingleses, disparasse os preparativos finais para a invasão
da Inglaterra.
A Armada
Durante os anos anteriores, havia sido encetado um grande programa de
construção de navios. Outros que estavam disponíveis na Espanha e em países sob
seu domínio foram reunidos e equipados, inclusive 12 navios portugueses.
Em julho de 1588, foi reunida a esquadra de invasão:
Um total de 130 navios, com 2431 canhões.
Os navios eram:
65 galeões e mercantes adaptados com canhões,
25 cargueiros cheios de cavalos, mulas e provisões,
32 barcos pequenos,
4 galés e
4 galeaças.
A frota transportava 27.500 homens, sendo:
16.000 soldados,
8.000 marujos,
2.000 operários (prisioneiros e escravos) nas galés,
1.500 cavalheiros e outros voluntários.
Esta força naval, mais tarde apelidada ironicamente pelos ingleses The
Invincible Armada, começou a partir em 22 de julho de 1588 de La Coruña,
costa norte da Espanha, sob o comando de Don Alonso Pérez de Guzman (El
Bueno), Duque de Medina-Sidonia, nobre espanhol sem nenhuma
experiência naval. Porém, tinha sob suas ordens diversos comandantes
experientes e competentes, dentre os quais se sobressaia Don Alonso Martinez de
Leiva, talvez o mais hábil capitão naval da Espanha.
Seus navios transportavam, além do pessoal e das armas, todo o apoio
logístico necessário para manter uma tropa de 30.000 homens durante pelo menos
seis meses. Entre os itens transportados, constavam: 5.000 toneladas de bolacha
de marinheiro, 272.000 kg de carne de porco salgada, mais de 150.000 litros de
azeite de oliva, e 14.000 barris de vinho.
Além disto, ainda haviam 5.000 pares de calçados e 11.000 pares de
sandálias, e material para reparos dos navios e das carroças e equipamentos de
apoio transportados.
Acompanhavam as tropas 6 cirurgiões, 6 clínicos, 19 juízes e 50
funcionários administrativos selecionados para estabelecerem as bases do
governo na Inglaterra, bem como 146 nobres voluntários, com seus 728 criados.
Isso além de180 sacerdotes, como conselheiros espirituais e confessores, que
ajudaram a abençoar todos os homens antes do embarque.
Como reserva, para posterior ocupação da Inglaterra, ainda havia na
Holanda uma força terrestre sob o comando do Duque de Parma, com aprox. 30.000
soldados. Eles também traziam munições e provisões adicionais.
O Confronto
Por volta do dia 29, a Armada estava finalmente ao largo de Plymouth.
Diz a lenda que Francis Drake, que por esta ocasião comandaria as ações da
esquadra inglesa, foi avisado de que a força espanhola estava chegando à
Inglaterra enquanto jogava uma partida de boliche. Teria enviado seu imediato
para o porto para preparar a partida da esquadra e continuado a jogar,
declarando: “Podemos terminar nosso jogo!”
Defeat of the Spanish Armada (Derrota da Armada Espanhola), pintado em
1796 pelo pintor inglês Philip James de Loutherbourg, retrata a batalha travada
em 8 de agosto de 1588. Esta obra atualmente encontra-se no National Maritime
Museum, da Inglaterra.
A Armada estava a cinquenta milhas de Plymouth. E no decorrer da semana
seguinte, os ingleses, sob comando-geral de Lord Charles Howard, travaram dois
combates com os espanhóis.
Cabe aqui ressaltar que as diferenças táticas tiveram um papel fundamental
no decorrer dos confrontos. Os espanhóis procuravam sempre abordar os inimigos
e travar combate direto, visando capturar os seus navios, enquanto os ingleses,
que sabiam que este tipo de confronto lhes seria desvantajoso, haviam se
preparado para travar a luta a distância, disparando a partir do alcance útil
dos seus canhões, e se evadindo ante a aproximação dos navios espanhóis.
Conseguiam isto por serem seus barcos mais leves e com mais capacidade de
manobra.
Os navios principais e mais bem armados da frota espanhola eram pesados
e difíceis de manobrar, com carga total, enquanto os ingleses, apesar de em
menor número, eram mais ágeis e sabiam utilizar melhor suas vantagens,
comandados por chefes hábeis como Drake, que era o vice-comandante da frota
britânica, e Thomas Fleming.
Mas durante esses dois confrontos, apesar de inúmeros acertos, não
conseguiram danificar seriamente os grandes barcos de Medina-Sidonia. Os
espanhóis, por sua vez, não conseguiram se aproximar o suficiente para abordar
os barcos ingleses.
O plano do almirante espanhol previa um
encontro para receber munições e provisões das forças do Duque de Parma, em
Dunquerque. Mas, os mensageiros enviados não conseguiram contato e
trouxeram a péssima notícia de que as águas no litoral de Flemish, local
previsto para o encontro, eram rasas demais para o calado de seus grandes
navios.
Neste impasse, Medina-Sidonia teve que ancorar ao largo de Calais, para
reparar seus navios, antes de tentar nova investida.
Os espanhóis sabiam que o engenheiro italiano Giambelli estava
trabalhando para os ingleses na preparação de brulotes, barcos incendiários e
explosivos que poderiam ser enviados contra sua frota.
Por isto, lançaram sua âncoras presas à bóias, pois caso precisassem
sair rapidamente, bastaria cortar as amarras e depois voltar para recuperar as
âncoras presas às bóias.
Durante a noite, Howard enviou oito de seus navios mais velhos,
despojados de todos os equipamentos, mas carregados com materiais inflamáveis e
explosivos, sob o comando dos capitães Young e Prowse, rumo à frota espanhola,
aproveitando os ventos e a maré favoráveis, e sob o manto da escuridão. Ao se
aproximarem, em rota de colisão, os pilotos e os poucos tripulantes atearam
fogo aos barcos, abandonando-os no rumo dos navios ancorados. Isto fez com que
os espanhóis cortassem as amarras imediatamente, içando as velas e se
espalhando para evitar os brulotes, que começaram a explodir. Nesta confusão,
vários navios se abalroaram entre si, causando diversos danos, embora nenhum se
incendiasse.
A Batalha de Gravelines
Ao amanhecer de 8 de agosto, Medina-Sidonia viu parte de sua esquadra dispersa
e sob risco de encalhe na costa de Flemish. Destacou então quatro grandes
navios para fazer uma linha de defesa, enquanto o restante da esquadra tentava
se reagrupar para combater.
Os ingleses atacaram com dois destacamentos, num total de quase 40
navios, sob o comando de Drake, que liderava, e Frobisher.
Outros navios espanhóis vieram em socorro dos seus, mas os ingleses
estavam na ofensiva e causaram grandes danos nos navios principais. Três desses
grandes navios foram afundados e mais doze seriamente danificados, numa batalha
confusa em meio à fumaça. As perdas espanholas neste dia somaram em torno de
600 mortos e 800 feridos.
Pouco antes do anoitecer, Drake abordou e capturou o galeão Rosário com
toda a sua equipagem, inclusive o almirante Pedro de Valdez. Este navio
carregava elevada quantia para o pagamento dos exércitos do Duque de Parma, na
Holanda.
Algumas vulnerabilidades da Armada ficaram visíveis: os mercantes
convertidos em vasos de guerra tiveram problemas quando as estruturas começaram
a ceder, não suportando os impactos do recuo dos seus próprios canhões. Os
vazamentos surgiram, e os carpinteiros trabalhavam até a exaustão para fazer os
reparos. Isto desabilitava a artilharia destes navios. Além disso, o
improvisado aumento do poder de fogo da Armada não teve uma correspondência no
número de artilheiros, fazendo com que soldados manejassem os canhões sem o
treinamento adequado, diminuindo a eficácia da artilharia.
Após nove horas de ferrenho combate, a chegada do anoitecer e um
temporal com ventos muito fortes interromperam as hostilidades.
E então veio o pior: a ventania empurrou os destroçados navios espanhóis
de encontro aos bancos de areia, onde muitos encalharam!
Ao amanhecer, tudo parecia perdido, mas os ingleses estavam sem munição
e não atacaram. Os ventos mudaram e ajudaram os navios da Armada a se safarem
dos bancos de areia.
O comandante inglês enviou alguns barcos à Inglaterra, com pedidos
desesperados por mais munição, porém os espanhóis também estavam na mesma
situação e com seus navios muito danificados, alguns com a artilharia
inoperante. Com poucos disparos de parte à parte, os espanhóis aproveitaram o
vento favorável e forçaram a passagem, arremetendo para o norte através do
canal, único caminho disponível.
Os ingleses decidiram não persegui-los além das águas inglesas, pois
perceberam que eles já estavam derrotados e seus próprios marujos também
estavam esgotados e abatidos por ficar tanto tempo em atividade no mar agitado.
A disenteria e o tifo infectavam as suas tripulações.
O Desfecho
Os espanhóis, após um conselho de guerra, resolveram trazer sua armada
derrotada de volta à Espanha, contornando as Ilhas Britânicas.
Roteiro da
Armada Espanhola (clique para ampliar).
Na costa escocesa, conseguiram comprar
algumas provisões de barcos de pesca, mas sua situação era de penúria. As
mesmas doenças que vitimavam os ingleses também os afetavam. Havia mais de
3.000 doentes a bordo. Diariamente havia mortes. As provisões estavam acabando
e a alimentação teve que ser racionada. Os animais de tração a bordo foram
abatidos para alimentação, mas a água estava escassa e era de péssima
qualidade, provocando intoxicações nos marujos. Alguns navios muito danificados
e com vazamentos requeriam constante bombeamento manual de água para não
afundarem, o que esgotava ainda mais as tripulações.
Mas o pior ainda estava por vir: ao
largo do cabo Wrath, ventos fortíssimos desmancharam a formação da esquadra e
mais de trinta navios desgarrados foram jogados de encontro aos recifes da
Escócia e da Irlanda, afundando diversos outros no mar. A galeaça
napolitana Girona foi um dos barcos que colidiram com os
recifes da Irlanda do Norte. Dos seus 1.300 ocupantes, apenas cinco chegaram à
terra! Esses e outros que conseguiram chegar à Escócia foram asilados pelo rei
James VI, filho de Mary Stuart.
Esta Cruz de Cavaleiro de Malta foi recuperada dos destroços da galeaça
Girona, que bateu nos recifes da Irlanda do Norte em 26 de outubro de 1588.
Acredita-se que pertencesse ao capitão do navio, Fabricio Spinola. Atualmente,
há habitantes locais que se dedicam exclusivamente à atividade de recuperar objetos
e jóias dos navios da Armada naufragados ao longo das costas da Irlanda e da
Escócia.
(Foto: National Geographic Magazine)
Consta que apenas 64 navios conseguiram retornar à Espanha! Mais de
20.000 homens pereceram, a grande maioria em naufrágios causados pelas
tempestades. Enquanto isto, as perdas inglesas foram mínimas, apenas um navio,
além dos oito incendiados e sacrificados, e menos de 100 mortos.
Felipe II, que pensou lutar numa guerra santa sob a bênção de Deus,
contra os hereges ingleses, ficou mortificado ao receber as notícias do
insucesso da empreitada e da destruição de sua poderosa Armada.
Dizem que retirou-se para meditação e ficou longo tempo deprimido, sem
receber ninguém. Sob o enfoque de sua obstinada fé religiosa, ficava ainda mais
difícil aceitar a fragorosa e total derrota, principalmente levando-se em conta
que os elementos naturais tiveram papel fundamental na destruição da Invencível
Armada.
Na Espanha, correram rumores que o insucesso fora um castigo divino pela
conduta devassa do rei, que apesar de devoto, mantinha casos
extraconjugais.
Mais tarde, a esquadra espanhola foi reconstruída parcialmente e ainda
naquele mesmo século houveram outras tentativas frustradas de submeter a
Inglaterra, antes do declínio do poderio naval luso-espanhol, que aos
poucos perdeu seu lugar para os britânicos.
Mas, para os perseguidos religiosos da Europa, este episódio foi tomado
como um sinal claro, mostrando de que lado estava Deus...
Postado por: Maria Auxiliadora O.Benites
R.A:A82GAA -7